27 janeiro 2012
"Atravessar uma Ponte..."
"Hoje, assim todos os dias, tenho de atravessar uma ponte;
a sua frágil armação de inseguros instantes
permite ver a água, funda, quieta, à espera.
Mãos pacientes puseram na minha bagagem
talismãs para ajudarem em tão difícil passagem:
uma moeda com a imagem de Constantino, caesar,
para pagar com ela o que não tem preço;
um sinete com o meu nome e um pau de lacre;
uma rosa que há-de morrer amanhã
e não há-de morrer nunca;
para deixar testemunho de que estive no mundo
uma caneta de ouro e da mesma
matéria dos sonhos;
minerais que vêm do centro da terra
e que eram já velhos quando não existia o homem;
a areia de um relógio, inumerável
como inumerável pode ser a ventura
(e também os desejos que nunca hão-de cumprir-se);
num caixilho de prata, um sorriso
fugaz e de papel o qual há-de durar
mais que muitos impérios...
E quem não tem nome
porque todos os nomes são seus,
a dança dos astros,
o incansável rodar do planeta,
quarenta vezes trezentos e sessenta dias
(sem contar a gratificação dos anos bissextos)
com a sua carga de luas, cidades, solidões,
cárceres, livros, amigos,
sem me exigirem em troca
nada mais do que a bela e difícil
obrigação de ser feliz"
(José Luis García Martín)
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