06 novembro 2012

"O Álbum.."

(ainda as "Folhas Caídas...")


"Minha Júlia, um conselho de amigo; 
Deixa em branco este livro gentil: 
Uma só das memórias da vida 
Vale a pena guardar, entre mil. 

E essa n’alma em silêncio gravada 
Pelas mãos do mistério há-de ser; 
Que não tem língua humana palavras, 
Não tem letra que a possa escrever. 

Por mais belo e variado que seja 
De uma vida o tecido matiz , 
Um só fio da tela bordada, 
Um só fio há-de ser o feliz. 

Tudo o mais é ilusão, é mentira, 
Brilho falso que um tempo seduz, 
Que se apaga, que morre, que é nada 
Quando o sol verdadeiro reluz. 

De que serve guardar monumentos 
Dos enganos que a esp’rança forjou? 
Vãos reflexos de um sol que tardava 
Ou vãs sombras de um sol que passou! 

Crê-me, Júlia: mil vezes na vida 
Eu coa minha ventura sonhei; 
E uma só, dentre tantas, o juro, 
Uma só com verdade a encontrei. 

Essa entrou-me pela alma tão firme, 
Tão segura por dentro a fechou, 
Que o passado fugiu da memória, 
Do porvir nem desejo ficou. 

Toma pois, Júlia bela, o conselho: 
Deixa em branco este livro gentil, 
Que as memórias da vida são nada, 
E uma só se conserva entre mil. "

(Almeida Garrett, in 'Folhas Caídas')

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