"Abrigado na brancura multicor de um românico
italianamente clássico, o cardeal de Portugal
dorme, primeiro túmulo da Renascença,
o seu sono (inquieto?) virginal.
Será que a morte – erecta – lhe forçou
o orgasmo que ele recusou à vida?
Converso disto com os monges brancos,
risonhos, sem inibições. E desço a escadaria
de San Miniato al Monte. Outonal e fria
a tarde é rubra no Arno e em Florença ao fundo.
Na esplanada sobre o vale, sento-me
ao silêncio do entardecer, vendo
Florença, com as suas cúpulas e torres, que escurece
austera e refinada: o Duomo, o Bargello,
Santa Croce, os Uffizi, o Palazzo Vecchio
a ponte antiga, o Campanile, tudo – e os montes
e os ciprestes, e o céu pálido, a lua:
um momento incrível de fé na grandeza humana,
que não existe já mas paira ali suspenso,
ecoa pelas praças e nos pátios,
um misto de rigor e de volúpia, dignidade
das coisas e das formas, que o cardeal,
aqui do alto, e na margem oposta,
velou dormindo, e vela, virginal."
(Jorge de Sena)
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